Em Yasuke, novo anime original disponível na Netflix, o Japão feudal está dominado. A misteriosa entidade Daimyo (Amy Hill, de Como se Fosse a Primeira Vez) subjugou o país destruindo a Dinastia Oda. Monstros sobrenaturais e criaturas mecânicas vagam pelas vilas em busca de uma criança com poderes psíquicos, a quem todos se referem como “a escolhida”.
Neste mundo, Yassan (LaKeith Stanfield, de Judas e o Messias Negro), um barqueiro, que destoa dos demais pelos longos cabelos e a pele negra, procura paz após seus anos como um dos samurais de confiança de Nobunaga Oda (Takehiro Hira, de Lost Girls and Love Hotels), que terminaram com a morte de seu senhor após o ataque de soldados e robôs poderosos a mando de Daimyo.
Na mesma aldeia, vive Saki (Maya Tanida, de Nella, Uma Princesa Corajosa), uma menina meiga e inteligente com uma saúde frágil. Entretanto, tudo muda quando ela descobre seus poderes e atrai uma trupe de mercenários a mando da governante da nação. O bando conta com a habilidosa ninja Ishikawa (Dia Frampton, de Mentes Criminosas), o xamã africano Achoja (William Christopher Stephens, de The Strain: Noite Absoluta), a mulher-urso Nikita (Julie Marcus, de Dragões: Pilotos de Berk) e o robô Haruto (Darren Criss, de Hollywood). Todos sob o comando do sacerdote Abraham (Dan Donohue, de For All Mankind).
É aí que Yassan se revela ser Yasuke, o lendário samurai, e precisa novamente desembainhar sua espada para proteger a garota e levá-la até Morisuke (Paul Nakauchi, de Sweet Home), o homem que a ensinará a fazer bom uso dos seus dons. Isso se Daimyo não colocar suas mãos (ou patas) nela primeiro.
Tudo junto e misturado
No Japão feudal vítima de Daimyo, há tudo menos contexto. Do tecnológico robô Haruto até a russa Nikita e suas transformações em urso, não há muitas explicações ao expectador de como esse mundo pode reunir monstros, magia e mechas. É uma mistura de elementos tão grande que se cada personagem do bando de Abraham recebesse um episódio dedicado, pareceria uma antologia, como Love, Death + Robots, do tanto que diferem entre si.
Os flashbacks que mostram a chegada de Yasuke ao Japão, como escravizado, em 1579, e sua recepção por Nobunaga Oda, assim como seu treinamento com Natsumaru (Ming-Na Wen, de Agents of S.H.I.E.L.D.), a guerreira Onna Bugeisha do senhor feudal, são interessantes, mas mal inseridos. Fazendo com que essa evolução não seja tão explorada o quanto poderia, embora o guerreiro de origem africana merecesse um desenvolvimento melhor de sua trajetória.
Outra semente plantada que acaba sem dar frutos é a presença de Abraham, que está, aparentemente, a mando da Igreja Católica. Mas, a ideia aguçada no espectador de uma trama de cunho religioso não desenvolve, com o vilão sendo descartado brevemente.
Uma explicação para isso pode ser a quantidade de episódios, que não abre muito espaço para subtramas. Com só 6 capítulos, o criador e diretor LeSean Thomas preferiu limar explicações e seguir pelas batalhas, dando destaque para a história principal, que se desenrola com doses generosas de violência. Aliás, se há algo irretocável na produção é o visual. Com combates primorosos e o sangue que se espera em uma história do Japão feudal, a animação do estúdio Mappa e o design de personagens feito por Takeshi Koike são impecáveis. Assim como a trilha sonora composta por Flying Lotus.
Onde termina a História e começa a lenda
A História real de Yasuke carece de informações sólidas, o que abre espaço para lendas e suposições. Diz-se que ele chegou mesmo ao Japão em 1579, como servo do padre jesuíta italiano Alessandro Valignano. Na época, o país asiático recebeu muitos missionários portugueses também e há rumores de que ele não foi o único homem negro a aportar por lá em condição análoga à escravidão.
Mas, os registros contam que Yasuke se destacou por chamar a atenção de Nobunaga Oda, do qual se aproximou pelo fato do governante apreciar muito os diálogos entre os dois. É possível que isso tenha feito o imigrante ganhar lugar de destaque na nobreza e especula-se que ele tenha mesmo se tornado um samurai.
No anime, algumas das passagens históricas, como o encantamento de Oda pela cor da pele do então serviçal e o fato dele saber japonês estão presentes. Assim como outros personagens do período, como o general Mitsuhide, homem de confiança no exército do senhor feudal. No entanto, as referências param por aí. O que é uma pena. Afinal, uma história com a mesma dose de violência e a qualidade visual, mas que misturasse as lendas e os fatos em torno do samurai africano teriam sido um espetáculo e tanto.