Quase 20 anos separam Matrix Revolutions de Matrix Resurrections, quarto filme da franquia que chega nesta semana aos cinemas brasileiros. Desta vez sob o comando de Lana Wachoski, que assume o leme da produção sem a irmã, Lilly, e também o roteiro – ao lado de David Mitchel e Aleksandar Hemon –, o longa vem para as telas já com o peso de responder 2 perguntas importantes: para que um quarto Matrix? E por que agora?
E é exatamente essa a missão que o título se compromete em cumprir em suas 2h28 de duração. No longa, a capitã Bugs (Jessica Henwick, de Punho de Ferro) e seu técnico Seq (Toby Onwumere, de Sense8) encontram um modal, um emulador que refaz uma das lutas de Trinity (Carrie-Anne Moss, de Jessica Jones) – no início do primeiro filme – mas com os fatos se desenrolando de uma forma diferente do que aconteceu antes.
Investigando a anomalia no código, Bugs descobre que Morfeus (Yahya Abdul-Mateen II, de Aquaman) agora é um construto dentro do sistema com o objetivo de encontrar Neo (Keanu Reeves, de Constantine), que está vivo e plugado de novo à Matrix, assim como Trinity. Teria aquele tido como “O Escolhido” falhado, então, em sua missão de trazer fim à guerra entre humanos e máquinas?
A resposta, assim como se esperaria de uma nova visita a esse universo, é mais complexa do que a simples lógica binária de “sim” ou “não”. E vai levar a todos para ver as consequências dos atos de Neo no terceiro filme, mostrando o que, de fato, ficou acertado entre máquinas e humanos e o motivo de ainda existir uma Matrix, pois, teoricamente, a trégua teria libertado as pessoas que eram usadas como baterias de sua realidade de mentira.
Uma Matrix mais humana
Matrix Resurrections diverte desde o início. E, principalmente, porque é ciente da expectativa criada em quem está diante da tela e se permite rir de si mesmo enquanto a entrega. Por isso, o novo conceito, no qual Thomas Anderson é um famoso designer de games, responsável pelo sucesso que foi a trilogia Matrix e que tem em mãos a pressão de entregar uma sequência a pedido do estúdio, fisga o expectador logo de cara.
Essa encarnação, de um funcionário a beira de um esgotamento mental, que tem dificuldades em separar o que é “real” do que é “ficção” e onde seus personagens, incluindo ele mesmo, se encaixam nisso é outro ponto no qual nos identificamos mais do que gostaríamos. Isso sem falar na hilária “brainstorming” do time criativo da empresa, que procura explicar o que é Matrix e mostra um debate que parece ter saído direto de uma reunião qualquer de nerds fãs da franquia.
Esse paradoxo com o universo dos games também cai como uma luva em Matrix Resurrections. Afinal, em uma grande fábula sobre alienação, colocar um elemento no qual as pessoas buscam o escapismo por vontade é uma sacada de mestre da história e torna todo o novo ciclo do despertar de Neo ainda mais interessante.
Para Trinity, o processo é ainda mais importante. Vivendo essa realidade sob o nome de Tiffany, casada e mãe de dois filhos, ela questiona seu ideal de felicidade como uma imposição de gênero e encontra nas motocicletas uma conexão inesperada com quem é de verdade.
Com os protagonistas em loops complexos e dilemas contemporâneos, eles ficam ainda mais próximos do público. E isso expõe toda a esperteza do Analista (cujo ator não mencionaremos pelo bem da sua experiência), o novo vilão da franquia. Se antes, o Arquiteto (Helmut Bakaitis, de Até o Último Homem) procurava a perfeição eliminando o livre arbítrio e tudo que nos faz o que somos, a nova máquina no comando se dedica a entender o que move a mente humana para criar uma realidade da qual as pessoas realmente não querem sair.
Mensagens poderosas
Ainda que o final possa ser controverso para alguns, Matrix Resurections consegue responder às perguntas iniciais que comentamos acima. E faz isso com mensagens importantes sobre coexistência, inclusão, feminismo e apoio à comunidade LGBTQIA+, enquanto desconstrói o viés messiânico do protagonista. Sem deixar de entregar easter eggs e prestar tributos devidos aos personagens de filmes anteriores, como Agente Smith (Hugo Weaving, de Capitão América: O Primeiro Vingador), Merovingian (Lambert Wilson, de Linha do Tempo) e Niobe (Jada Pinkett Smith, de Gotham).
No final, a ideia que fica enquanto sobem os créditos finais é que, como é esperado de qualquer sistema, Matrix foi atualizado para lidar com uma nova realidade. Se, há 20 anos, olhávamos para o futuro com medo das máquinas, hoje já fomos escravizados por elas. Alienados por algoritmos e reféns de novas formas de mídia e entretenimento, que prendem nossos olhos em uma tela pela maior parte do dia. E, com isso, ficamos até mais atrasados como sociedade.
Por isso, sabendo que seus bullet times já não são mais tão inovadores quanto eram há duas décadas, o filme escolhe embalar em boas doses de ação um discurso contundente, com as palavras certas no tempo certo. Mostrando que, mais do que nunca, é preciso acordar e ver os rumos da nossa realidade hoje.