Lovecraft Country: série perturba tanto pela fantasia quanto pelo realismo

Adaptação do livro homônimo escrito por Matt Ruff, a série Lovecraft Country foi uma das principais apostas da HBO para sua grade neste ano. E realmente deu conta do recado. Afinal, a produção da showrunner Misha Green (Filhos da Anarquia) chegou com a proposta de apresentar ao público uma história de terror sobre o folclore lovecraftiano, porém foi além. A trama trouxe debates atuais, como preconceito, violência policial e racismo estrutural.

O programa tem sua narrativa estabelecida nos Estados Unidos da década 1950, que vivia sob as “Leis de Jim Crow” – que pregava a segregação de negros em locais públicos, transportes, restaurantes, banheiros e até em escolas. Neste momento, o ex-soldado Atticus Freeman (Jonathan Majors, de Destacamento Blood) retorna da Guerra da Coreia para procurar o paradeiro de seu pai, Montrose (Michael Kenneth Williams, de Boardwalk Empire).

Atticus e Leti embarcam numa caça ao tesouro macabra. (Foto: HBO)

Porém, em sua busca até a misteriosa cidade de Ardham, em Massachusetts, o protagonista descobre que sua linhagem remete às fundações da ordem dos Filhos de Adão, composta por supremacistas brancos que desejam manipular magia e conquistar imortalidade. Para isso, eles tentam encontrar o chamado Livro dos Nomes, que reúne os mais poderosos feitiços que se possa imaginar. Mas, no começo do seriado, livro encontra perdido.

Mitologia fantástica

Neste cenário, Atticus se torna alvo da Ordem, por ser o último homem a correr o sangue dos fundadores da sociedade secreta. Em especial, é a antagonista Christina Braithwhite (Abbey Lee, de Demônio de Neon) quem representa a maior ameaça ao personagem principal, pairando ao seu redor oferecendo pactos. E, se magia é real, monstros também são. Logo de cara, a série introduz Cthulhu e shoggoth, duas das criações do escritor H.P. Lovecraft.

Ao longo de seus 10 episódios (cada um com 1 hora de duração), Lovecraft Country também traz casos envolvendo fantasmas, experiências científicas macabras, maldições e a criatura mítica Kumiho (da cultura coreana). Carregada em uma atmosfera de horror que não poupa o telespectador de cenas de violência extrema, a obra ainda consegue tempo para flertar com a ficção científica, trazendo viagens no tempo e entre dimensões alternativas.

Terrores do mundo real

E tudo que citamos acima se torna bem aceitável quando comparado ao ponto mais importante do seriado: o racismo. Enquanto Atticus e sua companheira de aventuras, Letitia Lewis (Jurnee Smollett, de Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa), lutam contra policiais que trabalham para os Filhos de Adão e matam até crianças negras, o título desenvolve um arco muito emblemático a respeito do privilégio branco.

Christina luta contra o machismo, pois os Filhos de Adão negam a magia às mulheres; (Foto: HBO)

Irmã de Leti, Ruby Baptiste (Wunmi Mosaku, de Luther) encontra numa poção a chance de virar uma mulher caucasiana e, com isso, desfrutar do respeito, gentileza e proteção da sociedade, bem como aceitação para o mercado de trabalho. E isso choca. Choca pelo fato de que a personagem aceita abdicar de sua origem para ser notada como ser humano, um benefício que todas as pessoas deveriam receber independente da etnia, gênero ou classe social.

Com um discurso necessário, a série produzida por Jordan Peele (Corra!) e J.J. Abrams (Lost) atende às mais exigentes expectativas, entregando capítulos tecnicamente impecáveis (dos figurinos aos efeitos visuais) e cenas perturbadoras.

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