As Crônicas da Era do Gelo vai além de distopia glacial

Carlos Bazela
As Crônicas da Era do Gelo vai além de distopia glacial

Embora o aquecimento global seja um grande risco para a extinção da humanidade no futuro, As Crônicas da Era do Gelo, mangá publicado pela Pipoca & Nanquim em 2 belos volumes, vai pelo lado contrário. A obra de Jiro Taniguchi apresenta um planeta que passa por subsequentes eras glaciais há 50 anos, o que impactou em toda a civilização. Bem como no ecossistema, com novas espécies animais e vegetais que transformaram a Terra praticamente em um mundo alienígena.

Adaptados a essa vida estão os trabalhadores da Talpa 2, instalação de mineração de carvão localizada no Ártico. Nela, os mineiros precisam se adaptar a salários baixos e meses a fio de inverno até que seus contratos sejam encerrados e eles possam voltar para a capital Abyss.

Entre eles, está o indisciplinado operário Takeru Yamato, filho fora do casamento do prestigiado presidente da Companhia Givre de Desenvolvimento de Recursos, que comanda o destino de todos que trabalham no local. Certo de que foi enviado para a Talpa afim de evitar um escândalo na elite do mundo congelado, o rapaz vive se metendo em confusão e só parece ter o diretor da instalação e o velho Uncle como amigos.

Em dado momento, a Talpa começa a entrar em colapso pelo sucateamento dessa estrutura e Takeru decide compor um grupo que irá enfrentar o mundo exterior para buscar ajuda. No entanto, uma série de acontecimentos bizarros, que envolvem desde uma saída prematura do planeta dessa era do gelo até uma tribo de estranhos alienígenas gigantes, fará com que o rapaz encontre maturidade para salvar seus colegas e descubra que suas ações podem impactar o que resta da raça humana.

Ficção científica ecológica

As Crônicas da Era do Gelo foi publicada originalmente em 1988, o que faz com que as comparações com Akira sejam quase inevitáveis. Pudera, trata-se também de uma obra de ficção científica com um futuro distópico e pessimista sobre a humanidade, que pode estar prestes a enfrentar seus últimos dias.

Mas, se a obra de Katsushiro Otomo gira em torno dos horrores da guerra e a escalada com a qual o ser humano evolui em criar novos meios de exterminar seus semelhantes, o mangá de Jiro Taniguchi vem com uma mensagem ecológica poderosa, colocando o ser humano à mercê da natureza e escancarando sua incapacidade de entender o mundo que o cerca. Até que a iminente substituição da nossa espécie o ameace.

Com uma arte digna de aplausos, tanto pelas paisagens quanto pelo semblante de desânimo que é visto em alguns personagens durante passagens mais dramáticas, os 2 volumes são uma jornada imprevisível para o leitor. Quando se vira cada uma das páginas, a sensação é de que tudo pode acontecer na história e é mais ou menos por aí que a trama se desenrola, trazendo surpresas e mudanças de rumo que levam o final da narrativa para algo muito diferente do começo.

Final controverso

O desfecho de As Crônicas da Era do Gelo pode desagradar alguns leitores que esperam uma conclusão simples e definitiva. Embora acabe de forma bem alinhavada, que resolve o conflito principal, acontecimentos das últimas páginas deixam o final mais para o abstrato do que para o concreto, abrindo margem para interpretação do que viria a partir dali.

Dito isso, o fato do autor, falecido em 2017, não estar mais entre nós é uma tristeza maior. Afinal, ainda que não tenha demonstrado interesse em revisitar a história nos quase 30 anos que seguiram sua publicação, poderíamos ter a esperança de uma continuação. Certamente, haveria muito mais crônicas para se contar sobre esse assustador mundo novo que se ergueu do gelo.

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