Pequenas Felicidades Trans é aula de empatia e respeito em quadrinhos

Carlos Bazela

A quadrinista Alice Pereira escolheu uma maneira peculiar de contar a sua história enquanto mulher trans: uma HQ, viabilizada por meio de financiamento coletivo. “Tudo começou com um diário que eu tinha no início da minha transição. Depois resolvi transformar o diário em uma HQ. Desenhar servia pra me livrar de algumas coisas e, ao mesmo tempo, responder algumas perguntas que as pessoas me faziam”, diz, em na história autobiográfica.

O gibi de traço simples e sutil, mostra a moça como convidada de um talk show no qual conta em detalhes do processo de sua transição de gênero. Desde o momento em que se descobriu mulher até se abrir para o mundo como Alice, com datas e tudo.

A HQ acompanha as mudanças na vida de uma pessoa trans. (Foto: Divulgação)

Nele, a autora aborda temas importantes e sensíveis, como a infância difícil, por não se identificar com as brincadeiras de meninos e a falta de aceitação pelas meninas; e os relacionamentos que não deram certo, embora sentisse atração por mulheres. Aliás, este é um dos pontos mais marcantes da HQ, pois explica a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual.

Medos e preconceitos

Ao longo das páginas que compõem o volume, Alice também se abre ao expor seus medos, sendo o desemprego e a solidão os mais frequentes, por conta do preconceito comum sofrido por pessoas trans. Sem rodeios, ela ainda conta as piores situações pelas quais já passou, como ser procurada por um casal hétero para “apimentar a relação” e pelo fato de ser perguntada sem o menor pudor se é ou não “operada”.

Sobre isso, inclusive, a autora é clara: a transexualidade independe da cirurgia de redesignação de sexo. Sem segredos, o livro ilustrado descreve passagens curiosas, como as primeiras vezes que se vestiu como mulher e quando passou a se apresentar como Alice.

E outras mais difíceis, como o diálogo com familiares e amigos e as consultas médicas para o tratamento hormonal. Além, claro, de assuntos pesados, como o medo constante de violência e falta de emprego, o que leva muitas mulheres trans a se prostituírem.

Cartilha do respeito

O estilo das ilustrações feitas por Alice lembra muito o de uma cartilha de alfabetização pré-escolar. E pode se dizer que possui o mesmo efeito. Mesmo lidando com temas delicados, o desenho segue suave, diminuindo o choque, mas não o peso narrativo, como uma obra didática que busca educar o leitor.

No final, o quadrinho reúne um pequeno dicionário trans, no qual o leitor conhece termos e explicações acerca do tema e o que é considerado ofensivo. Dentre os quais, chama a atenção é “Disforia”, definida como um estado de tristeza resultado da insatisfação e inadequação entre a imagem que a pessoa tem de si mesma e a que ela enxerga fisicamente em pessoas trans. Isso pode ser acionado quando uma pessoa trans é chamada por um pronome oposto ao gênero com o qual se identifica.

Pequenas Felicidades Trans – que pode ser adquirida na Ugra Press e a Livraria da Travessa – não é só uma HQ didática sobre respeito e empatia. É também uma obra que fomenta a representatividade e inclusão. Como Alice afirma, não se trata de um autor tentando explicar mas a transexualidade, mas, sim, de uma autora trans misturando cultura e relatos pessoais.

Necessária, Pequenas Felicidades Trans convida ao conhecimento e entendimento das pessoas em sua totalidade, para tirar dúvidas e eliminar preconceitos, que já não têm espaço para existir.

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