O Poço, da Netflix, traz duras críticas sociais de forma engenhosa e cruel

Amanda Almeida

O Poço, novo filme espanhol da Netflix, está no TOP 10 dos mais assistidos aqui no Brasil. Isso de forma alguma é ruim, mas com certeza mostra que o brasileiro tem um gosto peculiar para tentar se distrair na situação atual. Se em tempos normais esse filme já seria uma crítica muito relevante, agora o título ganha ainda mais importância, abrindo discussões mais acirradas e com muitas teorias prontas para ser debatidas.

O longa se passa em uma prisão vertical conhecida como “o poço” (“el hoyo” no original), uma estrutura profunda e com um desconhecido número de níveis, com dois prisioneiros por andar. Isso por si só já é bem bizarro, mas as coisas tornam piores porque no meio da cela existe um grande buraco, onde se consegue ver alguns níveis abaixo. A sensação de vertigem é grande, porque é impossível enxergar o fim e, como se isso não bastasse, a forma de alimentação se dá por uma plataforma que desce o vão com um monte de comida. E tem mais: é proibido estocar a comida, e ela também não é reposta. Ou seja, quem está nos níveis mais altos, come mais, e quem está nos mais baixos, às vezes nem come.

Com 1h34 de duração, a obra é dirigida por Galder Gaztelu-Urrutia e escrita por David Desola. (Foto: Netflix)

O problema começa quando se nota que apesar de ter comida para todos, o racionamento e a falta de policiamento entre os prisioneiros afeta quem está nos níveis mais baixos. A cada mês, os confinados ficam em um determinado nível, sendo realocados aleatoriamente com o passar do tempo. Então, quando dois prisioneiros ficam em um nível muito baixo e são movidos a um superior, eles não se policiam na hora de se alimentar, porque sabem o inferno que é estar nos níveis mais baixos. Com isso, a estrutura que serviria para trazer a tona a solidariedade, na prática, só cria um poço maior de desigualdade e sofrimento.

Todo o longa foi feito para te incomodar. A fotografia, a trilha sonora, a iluminação, a própria história… tudo gira em torno de perturbar.  Até mesmo as falas dos personagens que acompanham o protagonista ao longo do filme foram planejadas para que você se encolha de desespero ou irritação. Aqui nós acompanhamos Goreng, interpretado por Ivan Massagué (O Labirinto do Fauno), em atuação excelente e marcante. Na obra, vemos seu desenvolvimento, que não se direciona necessariamente a um caminho positivo. Pela situação em que se encontra, o protagonista vai perdendo sua humanidade – os princípios básicos da civilidade.

Sendo assim, não é difícil enxergar a obra com uma ácida metáfora sobre o capitalismo. E, dada a nossa situação atual (a pandemia do novo coronavírus, que tem feito os mais abastados estocarem comida e outros produtos essenciais), ganhou ainda mais destaque. Originalmente exibido em setembro do ano passado, o filme não se priva de imagens extremas para provar seu ponto, tendo violência gráfica, canibalismo, escatologia e estupro como partes do repertório. Com um final sem solução fácil, O Poço nos leva a refletir sobre como agimos diante do próximo em momentos de crise.

Não apenas por sua temática sombria e incômoda, O Poço não cai bem em qualquer estômago.

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