Chegou ao catálogo da Netflix Asterix e Obelix: O Combate dos Chefes, mais uma adaptação do universo dos dois gauleses teimosos que, desde 1959, tentam impedir os avanços do império romano munidos de punhos, poções e bom humor.
Criados por René Goscinny e Albert Uderzo para a revista francesa Pilote, os personagens carregam no traço e no design a herança direta das tirinhas de jornal — narrativas curtas, seriadas, pensadas para o tempo que dura um café.
A presença da dupla e sua narrativa nas telas reacende um movimento que vem de longe: o das tirinhas que, depois de sobreviverem à rotina dos jornais, encontraram nova vida na televisão e no cinema. Algumas mantiveram a sátira, outras foram amansadas pelo mercado.
A seguir, uma seleção de tiras de jornal que conseguiram cruzar essa fronteira:
Peanuts (1950 – 2000) – Charles M. Schulz
As tirinhas sobre Charlie Brown, Snoopy e companhia surgiram em 1950 e, quinze anos depois, já estrelaram com o seu primeiro especial animado, na TV americana: Charlie Brown Christmas (1965). Já, em 2015, eles migraram para o cinema com o longa Peanuts, O Filme, animação em 3D, atualmente disponível na Prime Video.
Garfield (1978–presente) – Jim Davis
O gato preguiçoso, sarcástico e glutão recebeu sua primeira série animada em 1988 com Garfield and Friends, ao ar até 1994. Depois, estreou nos cinemas com o filme Garifeld, o filme” (2004), que misturava o mundo real e a animação do gato laranjinha, com imaginação e diversão. Fazendo tanto sucesso, a ponto de realizarem um segundo filme: Garfield 2, onde o fã N°1 de lasanha, invade Londres com todo o seu charme, e se coloca em meio a uma confusão com a Aristocracia do país.
Já em 2009, Garfield e sua turma retornam para a TV, com 5 temporadas de O Show do Garfield. Atualmente, o gatinho possui inúmeros especiais animados, séries e filmes, sendo o mais recente Garfield – Fora de casa”, disponível na Max.
The Addams Family (1938 – 1988) – Charles Addams
Começou como uma sátira gótica no The New Yorker. Ganhou vida na TV em 1964, depois em séries animadas (1973, 1992). Na década de 90, estreou com dois filmes, estrelados pelo casal (de cena) avassalador Anjelica Huston (Mortícia) e Raul Julia (Gomes).
Em 2019, a família ressurgiu com mais dois filmes em animação, que possuem um grau de parentesco com a versão original, através da sua sátira horripilante. Já em 2022, a família aparece nos bastidores da série Wandinha, disponível na Netflix.
Popeye (1929 – 1994) – Elzie Crisler Segar
O marinheiro amante de espinafre, nasceu na tira Thimble Theatre, mas foi em 1950 que adquiriu o seu espaço na TV, com o curta animado How Green Is My Spinach. Em 60, todos já o conheciam pela série animada The All New Popeye Hour, e em 1980, se consagrou nos cinemas, levando a tirinha às telonas, com o filme Popeye, estrelado por Robin Williams.
Mafalda (1964 – 1973) – Quino
A menina argentina, com opiniões fortes e vocabulário avançado, ganhou alguns curtas na década de 1970 e uma série animada para a TV em 1993. Continuou viva em livros e murais durante o passar do tempo.
Mas, há cerca de um ano, a Netflix anunciou a produção de uma animação sobre a pequenina, com direção de Juan José Campanella – cineasta argentino de Segredos de seus Olhos, vencedor de melhor filme estrangeiro em 2010 – O intuito é trazer de volta a essência crítica de Mafalda às telinhas (ainda não há data de estreia definida).
Da mesa de desenho para o mundo
O caminho que leva as tirinhas do papel às telas é pavimentado por razões óbvias — personagens já conhecidos, tramas de fácil digestão, um humor que sobrevive bem à passagem do tempo. Mas há algo além do cálculo comercial: existe nas tirinhas uma vocação para o movimento. Elas já nascem com ritmo, com enquadramento, com um timing que é quase cinematográfico.
Astérix e Obélix comprovaram isso mais uma vez ao ressurgirem, sem perder o fôlego ou a graça. Outros vieram antes — Garfield, Snoopy, A família Addams — cada um com sua personalidade ajustada ao formato da vez. Já alguns, como Calvin e Haroldo, preferiram o silêncio da página: Bill Watterson nunca cedeu aos convites de Hollywood. Ainda assim, é possível reconhecer Calvin em muitas animações modernas, como um fantasma estilístico que paira sobre a cultura pop.
No fim das contas, o jornal só dava a largada. Era no virar de página, ou no play do VHS, que as tiras começavam a correr. E até hoje, não pararam.