Quando a Netflix anunciou a produção de uma nova série sobre Os Cavaleiros do Zodíaco, os fãs ficaram em polvorosa. E assim que saiu a primeira imagem, mostrando que o remake dos defensores de Athena seria em computação gráfica, a massa de admiradores do desenho original ficou dividida. O longa A Lenda do Santuário, de 2014, que utilizou esse formato, ainda “desce quadrado” para muita gente, pelo roteiro questionável e o visual agradou ainda menos.
Com o lançamento da nova versão em julho passado, o esperado aconteceu: Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco não é unanimidade. Os seis episódios que compõem a metade desta primeira temporada receberam críticas desde a história, passando pelo visual e até a mudança de Shun, o sensível Cavaleiro de Andrômeda, que agora é uma mulher.
Com isso, a segunda parte do anime, que estreou no streaming em 23 de janeiro, mal chegou e foi bombardeada por haters de todos os cantos da web, que pedem seu cancelamento da série. Mas, o remake de Cavaleiros é ruim ao ponto de receber tantas críticas de quem tanto ama a obra original? Em uma palavra: não. Em três: muito pelo contrário.
Trama interessante
Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco ainda gira em torno da reencarnação de Athena. Mas, ela agora chega envolta em uma profecia que diz que a deusa será responsável pela guerra santa contra Ares e Poseidon, cujo final irá jogar a humanidade em uma escuridão seca, uma vez que não será hábil para aplacar a fúria que provocou nos outros deuses.
Deste modo, quando a menina vem ao mundo, o Mestre do Santuário ordena seu assassinato e ela é salva por Aioros, Cavaleiro de Ouro de Sagitário, e entregue para Mitsumasa Kido, que a cria como sua neta e interpretou as escrituras antigas que a acompanham ao lado de seu braço direito, Vander Guraad. Guraad, elemento novo criado para o anime, é o responsável pelas primeiras reviravoltas do desenho, quando se volta contra Kido e decide acabar com Saori e Seiya, o menino que acabara de ser recrutado a fim de se tornar um cavaleiro.
Depois do ataque, os caminhos de Seiya e Saori se dividem, com o garoto indo para a Grécia realizar seu treinamento de Cavaleiro e com a esperança de conseguir mais detalhes sobre o paradeiro da irmã, Seiyka, levada diante dos seus olhos anos antes por uma figura que parecia Cavaleiro de Ouro. Daí em diante, muitos acontecimentos são os mesmos do clássico: Seiya é discípulo de Marin, a Amazona de Águia, e disputa a Armadura de Pegasus com Cassius, aluno de Shina de Cobra.
Ele vence e é encorajado a voltar para o Oriente em busca da reencarnação da deusa Athena, e acaba entrando para o torneio Guerra Galáctica, cujo prêmio é a Armadura de Ouro de Sagitário. É aí que o herói conhece os outros Cavaleiros de Bronze, que formam o elenco principal do desenho: Hyoga de Cisne, Shiryu de Dragão e Shun de Andrômeda.
Nostalgia que atrapalha
Embora a legião de fãs fervorosos seja um bom argumento para trazer de volta uma série antiga, o principal inimigo de Cavaleiros do Zodíaco é essa nostalgia. A adoração de público mais antigos (entre 30 e 40 anos) pelo desenho é tanta que inserir novos elementos como a figura de Vander Guraad no melhor estilo general fascista é tida como heresia logo na sua chegada.
Já na segunda parte, quando suas motivações ficam mais evidentes, vemos o quanto o personagem é bem construído e sua luta é legítima. Ainda que não se concorde com ela. Sem falar que a presença dele responde a perguntas do tipo “será que um Cavaleiro é mais forte que um tanque?” e “as armaduras são à prova de balas?”. Esse tipo de embate entre magia e tecnologia nos animes anda junto desde Dragon Ball e a Força Red Ribbon. Funcionava lá e aqui dá certo.
Na parte da Guerra Galática, outro ponto para o remake. Afinal, o que fica mais fácil de acreditar em pleno século XXI? Que adolescentes de armadura treinados para lutar e se matar em nome de deuses gregos antigos se enfrentem em um coliseu, como um UFC ainda mais sangrento e mortal com ingressos à venda? Ou em um torneio clandestino no qual só mesmo quem precisa estar lá toma parte? Para nós, o segundo.
Questões de gênero
Transformar Shun em uma mulher não é um erro. Há quem argumente que não tê-lo como o homem sensível que era, joga no lixo a oportunidade de se debater a questão da masculinidade tóxica e homossexualidade. Contudo, é ótimo ver uma mulher que lutou e ganhou sua armadura e o direito de ser chamada de Cavaleira e não Amazona – como seria de se esperar. E, para quem acha que a mudança de gênero transformou Shun na “donzela em perigo”, é preciso dizer que isso não aconteceu.
As mulheres, aliás, estão melhor representadas nessa nova versão. Saori Kido, por exemplo não cresceu como a menina mimada de outrora e ser a reencarnação de Athena a põe numa condição de conflito bastante humana, bem explorada pelo desenho, principalmente na segunda leva de episódios. Ainda que seja a pessoa a ser protegida, ela muitas vezes avança um pouco para fora de seu papel e mostra a coragem de quem é consciente do que precisa fazer.
Já em arco paralelo, o passado misterioso de Marin é instigante e dá sentido à máscara que compõe sua armadura. Uma vez que Shina aparece sem a sua, dá-se a entender que esconder o rosto é opção e não uma obrigação das Amazonas no novo desenho. Outro acerto.
Posso ver sem medo, então?
Por tudo isso, Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco reinventa com sucesso as aventuras dos defensores de Athena. Nem tudo é perfeito, claro. As “esferas de luz” nas lutas e a falta grandiosidade dos golpes em muitos momentos incomodam, mas não é nada com que não se acostume. Assim como a ausência massiva de sangue, sempre presente na franquia original.
Desta forma, a obra se revela uma boa pedida para os fãs, tanto para quem vê a saga pela primeira vez quanto para quem deseja Saint Seiya: Os Cavaleiros do Zodíaco. Desde que não cobre fidelidade absoluta ao material base – afinal, essa é uma história totalmente reformulada. Aliás, para os mais resistentes aos novos ares do remake, a série clássica também está disponível na íntegra na Netflix.