Vencedor do Oscar de Melhor Diretor em 2020, Bong Joon Ho impactou o mundo com Parasita (2019) – longa que também abocanhou a estatueta de Melhor Filme (o primeiro de língua não inglesa a realizar tal feito). Cinco anos depois da premiação e 6 desde o lançamento da produção coreana, o cineasta retorna com Mickey 17, já em cartaz nos cinemas. O título utiliza de um cenário de ficção científica para tecer críticas sociais, políticas e ambientais, além de um debate ético sobre clonagem.
Parece muita coisa para assimilar? Sim, parece. Porém, em suas 2h17 de duração, funciona de um jeito quase que capitular, passando de um tópico a outro (como imagino que faça o livro Mickey 7, de Edward Ashton). Para dar conta da trama repleta de pautas, a obra conta com um elenco talentoso que inclui Robert Pattinson (Batman), Steven Yeun (Invencível), Toni Collette (A Escada) e Mark Ruffalo (Pobres Criaturas), entre outros nomes.
Dando o sangue pelo trabalho
O filme imagina um futuro em que a humanidade inicia missões para colonizar outros planetas. Mickey Barnes (Pattinson) não é um aventureiro nem tem o sonho de explorar o universo. Porém, ele e seu amigo e sócio, Timo (Yeun), têm dívidas com um agiota que ameaça desmembrar ambos caso não o paguem. Entre permanecer na Terra aos pedaços ou aceitar o pior dos trabalhos no espaço, Mickey opta por continuar vivo e inteiro. Bom, foi isso que ele achou ao se candidatar a “descartável“.
No fim das contas, o emprego que salvaria a vida de Mickey tem como job description matá-lo todo dia. Afinal, o protagonista passa por um processo de clonagem, em que seus dados são armazenados bem como suas memórias. Sua função, basicamente, exige que ele morra em missões arriscadas ou testes científicos, e tudo para ser “reimpresso” novamente e repetir o processo. O Mickey no centro das ações é a versão 17, ou seja, o resultado de quase duas dezenas de óbitos.
Além da questão óbvia, que são as mortes em nome de um salário, o filme aborda a forma como os membros de postos mais elevados da tribulação tratam Mickey. Como se a vida dele valesse menos. Nesse aspecto, a produção lança reflexões sobre o mercado e as relações de trabalho – também fora da ficção.
Sátira política, horror ambiental
A narrativa ainda dá uma guinada para debater outros assuntos. Primeiro, a missão de colonização é capitaneada por Kenneth Marshall (Ruffalo), um político que fracassou nas urnas, mas arrebanhou um montante significativo de seguidores, e sua esposa, Ylfa (Collette). Enquanto Marshall só quer aparecer bem diante das câmeras para fazer história e alçar voos maiores em sua carreira, Ylfa está mais interessada em explorar a natureza extraterreste em busca de novos sabores de molho.

Essa combinação se torna perigosa quando Mickey descobre uma forma de vida natural do planeta Niflheim, que de início parece “apenas” selvagem, mas ao longo da trama se mostra inteligente. É nisso que Mickey 17 se concentra a partir de tal descoberta. Chamados de Creepers (no idioma original), esses seres possuem comportamento pacífico, mas isso pode ser ignorado quando tudo que o casal de políticos enxerga são inimigos ou novas vítimas a serem exploradas – e descartadas, como Mickey.
Veredito: vale a pena assistir Mickey 17?
Se você quer saber se Mickey 17 vale o ingresso, a resposta é “sim”. O diretor Bong Joon Ho aproveita muito bem de seu dom para fazer críticas ácidas e divertidas, além de propor reflexões por meio do sci-fi, como já fez com Expresso do Amanhã (2013) e Okja (2017). Porém, este é apenas um dos motivos para ir ao cinema.
O principal deles é a atuação multifacetada de Robert Pattinson, que se desconstrói e ressurge dando cara a pessoas completamente diferentes. Ele exibe versatilidade incomum em interpretações diferentes de qualquer coisa que já tenha feito.