Produzida por Jack Thorne e Stephen Graham, Adolescência é uma minissérie britânica de drama criminal, que estreou no mês passado na Netflix. A narrativa, que bombou nas redes sociais nesse último período, traz a história por trás de um assassinato de uma adolescente cometido por outro adolescente. A trama se aprofunda em entender o porquê do feito, mas ainda mais, o porquê de tudo isso ter acontecido tão “de repente” por baixo do nariz de tantas pessoas.
A direção da série, decidiu produzi-la seguindo a técnica de plano sequência, a qual foi imprescindível para capturar o exato intuito dos diretores “Não queríamos que a série fosse ‘quem fez isso’, mas o porquê de ter feito’ (…) que sociedade estamos vivendo, no qual um menino de 13 anos esfaqueia uma menina da mesma idade, até a morte”, disse Graham em entrevista ao programa “The tonight show with Jimmy Fallon”.
Esse traço foi uma das características mais criticadas pelos internautas nas avaliações do Google e do Rotten Tomatoes, no qual dizem que a série se torna muito chata e monótona, e que essa escolha tornava “quase impossível” distinguir o final de uma cena para outra. Porém, esse aspecto revela mais um cutucão dos diretores a sociedade citada anteriormente, o imediatismo.
Eddie Miller (Stephen Graham) entrega uma atuação densa, ferida, sem heroísmo. Seu personagem é um reflexo da sociedade – alguém que quer proteger, mas também tem medo, que ama e erra. Ao seu redor, os demais atores reforçam o tom cru, apresentando personagens que são mais pessoas do que arquétipos. Há fragilidades e contradições. Visualmente, Adolescência aposta no realismo. O design de produção nos coloca em ruas comuns, casas apertadas, escolas silenciosas – locais onde tudo poderia, de fato, acontecer. A fotografia evita glamourizaçõe, a ausência de filtros reforça a verdade contida na narrativa.
Não há pressa, mas também não há dispersão, cada cena parece colocada com propósito, respeitando o tempo da tensão e da emoção. A trilha sonora é mínima, mas quando entra, amplifica o que os personagens não conseguem dizer. O silêncio, aqui, fala alto. A direção amarra tudo, e assim, não busca um espetáculo fácil. Pelo contrário, caminha de forma orgânica, como se pedisse que o espectador prestasse atenção – e pensasse.
A sociedade do séc XXI e na qual as crianças e adolescentes, mais especificamente nascidas a partir de 2010, pertencem ao puro suco do imediatismo que as demais gerações criaram. Tudo pode ser pesquisado, criado e consumido no agora, e além disso, compartilhado por milhares e milhares através da internet e das redes sociais. Sim, isso assusta, principalmente ao se tratar de pessoas tão novas e que tem ainda tanto a aprender sobre elas e o mundo. “Quando nós éramos crianças, nós não tínhamos redes sociais. Não tínhamos acesso a todas essas coisas que realmente influenciam a cabeça das crianças. (…) Não culpei ninguém, eu só pensei que talvez todos nós somos responsáveis e devemos falar sobre isso), completa Graham, na entrevista à Fallon.
Adolescência vai abordar, não como um documentário, mas uma linha temporal, o consumo e o acesso irrestrito das redes sociais pela geração mais nova, mostrando o impacto de forma “invisível” e sem supervisão, a aqueles que deveriam ensinar e proteger as crianças e adolescentes. Você sabe o que seu filho faz nas redes sociais? Se você diz que sabe, possui acesso às redes deles? E se diz que sim, você sabe quando o seu filho está mentindo bem na sua cara?
A minissérie que abre com o diálogo de dois policiais, em específico Di Luke Bascombe (Ashley Walters), resolvendo um dilema com o seu filho, dá o início à verdadeira narrativa da trama com a fala: “Conheça-te a ti mesmo”.
Já no final da série, com o caso praticamente resolvido e o assassino preso, a família do criminoso está passando por um momento de luto, pela perda do menino que conheciam e ao mesmo tempo a pressão social de terem “deixado” que ele cometesse tal crime, o pai Eddie Miller em diálogo com a mãe Manda Miller (Christine Tremarco) fala depressivo: “Não dá para vigiar os jovens o tempo todo! (..) Eu só queria ser um pai melhor! (…) Mas será que eu sou?”
Adolescência não foi feita para apontar culpados, mas para acender um alerta sobre o uso irrestrito da internet, sobre o comportamento das pessoas e, principalmente, sobre o que estamos deixando escapar no cotidiano. Qual é o papel do celular na vida do seu filho? E na sua?
Estar em casa não significa estar seguro. Ter companhia não é o mesmo que ter amizade. Silêncio não é sinônimo de bem-estar. Se essas premissas não são verdadeiras para adultos, por que aceitá-las quando se trata de crianças e adolescentes? No fim, a minissérie vai além da denúncia ou do drama social: é um espelho desconfortável, mas honesto, que nos convida a refletir sobre o que somos, o que tememos – e o que, em silêncio, deixamos acontecer.