Em alta nos cinemas, os filmes sobre super-heróis nem sempre agradam a todos os fãs, acostumados a vê-los em outras mídias, principalmente, nas histórias em quadrinhos. Sentindo que Hollywood tem deixado de lado algumas características presentes nos gibis, o cineasta Elvis delBagno decidiu produzir um longa do Batman adaptado à realidade brasileira, sem perder o tom gótico e teatral típico das aventuras do Homem-Morcego.
Lançado em setembro de 2014, o fan film Um conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo foi exibido em território estrangeiro, conquistando prêmios, como ocorreu na convenção norte-americana Scare-A-Con. Embora não tenha agradado aos festivais nacionais, o ousado diretor espera que sua obra chegue ao grande público através da exibição gratuita e integral do filme online (assista neste link).
Abaixo, confira o bate-papo entre o Boletim Nerd e Elvis delBagno:
Como surgiu o projeto? O que te fez dar início ao filme?
ED: Logo após o término da faculdade de Cinema, em 2008, eu ainda não tinha explorado meus limites e procurava algo desafiador. Como os filmes de heróis estavam se tornando populares, resolvi me arriscar. Sempre achei os filmes hollywoodianos excessivos nos efeitos especiais e sem a filosofia que estamos acostumados a ver nas HQs.
Antes, andei pesquisando, pois os custos de produção me preocupavam e a estética do uniforme do Batman também. Até que assisti ao curta Dead End [fan film do Batman] e notei que o Batman não precisava de um uniforme complicado, mas, sim, de uma roupa simples de lycra e uma máscara de borracha. Não precisava ser tão complicado assim.
Mesmo adorando Dead End, também o via como uma extensão de Hollywood, tendo só pancadaria e pouca profundidade. Para mim, o que sempre importou é ter um bom roteiro.
Quanto tempo as filmagens duraram?
ED: Quando digo que o filme durou quatro anos para ser feito, todos olham surpresos para mim. Se você ver, não é tanto tempo assim. Cineastas iniciantes fazem isso. Scorsese já fez. Quando a gente é iniciante e não tem patrocínio, produtores ou pessoas que acreditam em você, tudo se torna demorado. Tive muitos problemas com profissionais em quem confiei e que só dificultaram minha produção.
Como foi feita a seleção dos atores?
ED: Fiz o casting logo no início do projeto, com atores teatrais. Como tive dificuldades com a produção, figurino e o boneco Scarface, os anos foram se passando e quando, finalmente, rolaram as filmagens, os atores achavam que eu estava de brincadeira e muitos desistiram. Tive que realizar casting até o ultimo ano de filmagem, principalmente, com a morte de um ator [Luiz Baccelli] e conturbadas experiências com muitos atores que viram a produção com desdém.
Confirma se o custo da produção foi de R$ 80 mil?
ED: Não… Sim. Durante quatro anos, as negociações com o elenco ficaram difíceis. Tinha que ser maleável com alguns que pensavam em desistir e duro com quem realmente não se importava muito com a grana e, sim, pelo fato estar participando. Chega uma hora em que você só pensa em terminar logo e acaba gastando mais do que pode. Então, durante esses anos, tirei uma média, mas nunca teremos o valor exato.
Qual é a mensagem de Um conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo?
ED: Todo filme é um retrato social e político de um país e de seu povo. Quis traçar uma trama centrada em pessoas vítimas da sociedade e do meio em que vivem. Aprofundei em meus traumas e medos, nos problemas comuns da nossa sociedade, para esboçar algo que realmente gostaria de mostrar na tela.
Gotham City sempre foi tratada como o principal motivo das origens ruins dos personagens. O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Mas porque Bruce Wayne se tornou Batman e tantas outras pessoas com traumas semelhantes não tiveram esse mesmo desfecho, deixando se levar pelo mau caminho? Esse foi o tema do filme e, deste modo, achei que chamaria a atenção diante tantos outros fan films.
Você lê quadrinhos? Entre as histórias do Batman, qual a sua favorita?
ED: Já li bastante. Tenho HQs colocadas em sacos que ficam pendurados por um cabo de aço amarrado por todo o quarto, pois as gavetas não comportaram mais a minha coleção. Tenho um bocado delas, mas admito que hoje em dia perdi a vontade de ler e colecionar, porque tudo ficou comercial. Não temos mais Alan Moore brigando com a DC Comics para conseguir realizar Watchmen com os personagens que realmente se importava.
Minha HQ preferida do Batman é O Cavaleiro das Trevas. Penso que, se depois de anos aposentado, Bruce Wayne resolve voltar a luta é porque ama seu ideal. E isso me traz uma mensagem. Muitos podem não gostar do meu fan film, mas sempre vou me orgulhar dele. Lutei por um ideal e consegui. Quem não gostaria de fazer um filme do Batman? No meu último suspiro, com certeza, vou dizer: “Fiz um filme do Batman!”
Gosta de outros personagens de HQs? Faria um filme sobre algum deles?
ED: Gosto de muitos outros, até criei um, só não achei um desenhista para me ajudar. Gosto da HQ de Julia Kendall, acho que daria um bom filme, porque gosto bastante de histórias de detetive. Acho que ela é um Batman em versão feminina. É uma mulher encantadora, mas que, por debaixo da máscara “frágil”, esconde toda sua força.
Como foi a repercussão de Um conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo?
ED: O filme fez uma boa carreira nos festivais dos Estados Unidos, apesar de lá ser a terra dos fan films. Ganhei diversos prêmios, sendo o mais importante, para mim, um que não ganhei. Era uma indicação a melhor direção no Scare-A-Con. Acredito que se os jurados se unem com centenas de filmes de diversos países para me indicar, isso é mágico.
No território nacional o filme não agradou os festivais. Espero que agora [on-line] ele seja visto e, quem sabe, estudado por um público que note suas mensagens.
Tem um vilão de Batman que gostaria de ver em um filme?
ED: Scarface e Chapeleiro Louco. Gostaria de apreciar outras visões dos diretores sobre estes personagens.
O que espera de Batman vs Superman: A Origem da Justiça?
ED: O trailer me passou a mensagem que faltou em “O Homem de Aço”, que é olhar para as pessoas comuns. Foi o que me incomodou no longa do Superman e que abordei no fan film. Afinal, como os meros mortais pagam pela luta de duas “nações”?
Pode parecer hilário, mas existe algo muito questionador em Austin Powers, quando o espião mata um capanga, mero coadjuvante, e, logo após, mostrava um paralelo da família desse homem que morreu. Como iriam receber a notícia? Será que o filho não se tornaria um vilão no futuro?
Tem algum novo projeto em vista?
ED: Realizei um novo filme, chamado O Homem da Cabeça de Laranja [uma adaptação surreal do conto The Killers, de Ernest Hemingway], recentemente. Investi 50 mil reais, mas faria até com menos, já que foram somente 15 dias de filmagem e uma só locação. Peguei câmeras fotográficas emprestadas, fiz meus equipamentos de luz e paguei um cachê simbólico para meus técnicos e elenco. Só tiro elogios de quem vê o filme.
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