“Asteroid City” marca a era neo-niilista do cinema

‘Asteroid City’ marca a era neo-niilista do cinema

“Qual é o significado disso?”. Vários personagens, em diferentes pontos de Asteroid City, último longa do diretor Wes Anderson, continuam voltando a essa questão central. Seja questionando eventos absurdos na tela ou atores questionando suas falas em um ensaio. Dividido em três atos, “Asteroid City” é um filme obcecado por propósito. Ele brinca habilidosamente com a forma como tendemos a atribuir um significado a eventos aparentemente aleatórios e absurdos que acontecem ao nosso redor. Assim como somos fundamentalmente incapazes de aceitar a vida como uma série de eventos e ocorrências aleatórias, sem descobrir e decifrar algum significado maior, também procuramos constantemente por propósito e significado em nossa existência

Isso faz parte de um diálogo contínuo que Anderson quer ter com o seu público, iniciado em seu longa anterior, A Crônica Francesa (2021). Por um lado, aquela era uma carta de amor e um obituário de uma revista no estilo nova-iorquino, com os créditos finais apresentando uma dedicatória aos escritores e editores da vida real historicamente associados ao The New Yorker. Mas olhando de outro ângulo, o filme também foi um obituário de um mundo que havíamos perdido e não podemos recuperar. Aparecendo durante a pandemia do COVID-19, foi um lembrete de que o mundo mudou permanentemente, e as coisas não voltarão ao normal.

Se “A Crônica Francesa” tratava de aprender a dizer adeus e deixar ir, “Asteroid City” trata da busca por significado e uma âncora em um mundo completamente estranho e incompreensível. Apesar de todas as travessuras extraterrestres que acontecem no filme, não é isso que causa confusão e desorientação para os personagens; é, na verdade, a falta de comunicação entre eles. A obra explora um sentimento muito mais desconfortável: como o mundo antes tão familiar pode de repente, sem aviso, parecer distante, frio e confuso? Como formamos conexões genuínas em um mundo com o qual parecemos não estar mais familiarizados?

Trailer

Homenagens a TV e ao teatro

A produção abre com um drama de TV, apresentado por um narrador (Bryan Cranston), que diz ao telespectador que “Asteroid City” é na verdade o nome da peça a ser apresentada. Nesta peça, Asteroid City é o nome da cidade fantasma fictícia no deserto do sudoeste estadunidense e recebeu esse nome devido a queda de um meteoro que criou uma cratera no meio do lugar. Eles apresentam a peça como um filme em widescreen colorido.

Logo de início, o mecanismo e a metanarrativa do filme criam confusão e bastante desorientação. Os cortes alteram entre a peça e a narração de algumas histórias de bastidores sobre os personagens, ambos se desenrolando aos poucos. Para acomodar essa estrutura dupla, alguns dos atores da peça também se dobram como personagens que participam das vinhetas dos bastidores. Se essa estrutura for confusa de acompanhar, é muito proposital. O conceito estrutural da obra pode ser um dos grandes fatores que influenciam a experiência de como o telespectador vê a obra e também a vida. Eles definem com precisão a colocação de Asteroid City (a peça) em 1955. Anderson, ao situá-lo no contexto da explosão atômica e da paranoia da Guerra Fria, recria a incerteza e a ameaça de destruição, evocando paralelos com o mundo pós-pandêmico.

Conexões humanas

Augie Steenbeck (Jason Schwartzman) chega à cidade fantasma de Asteroid City porque seu filho adolescente, Woodrow (Jake Ryan), é um dos cinco inventores que serão promovidos pelo General Grif Gibson (Jeffrey Wright). Steenbeck também tem três filhas pequenas que preferem ser chamadas de bruxas em vez de princesas. Viúvo recente, Steenbeck ainda não processou a dor da morte de sua esposa, e não contou aos filhos que a mãe deles faleceu. Ele é forçado a entrar em contato com seu sogro Stanley (Tom Hanks) quando seu carro quebra.

Fotógrafo de guerra, Steenbeck conhece Midge Campbell (Scarlett Johansson) e sua filha Dinah (Grace Edwards), também conhecida como Junior Stargazer. A relação começa com um mal-entendido envolvendo uma foto não autorizada, abordando consentimento e flerte. A Sra. Campbell está se preparando para seu papel em um novo filme, no qual ela se suicida e, em seguida, espera-se que reflita sobre sua própria vida, postumamente como uma espécie de personagem ‘ausente, mas presente’. Steenbeck e Campbell formam a partir daqui, uma conexão profunda. Faíscas também voam entre seus filhos, Dinah e Woodrow; dois introvertidos que percebem que a conexão humana pode ser igualmente gratificante, se não mais, do que uma conexão com a ciência.

Um evento extraterrestre inesperado, metafórico em relação à pandemia, interrompe os romances em desenvolvimento, forçando a cidade a uma quarentena indefinida por ordem militar. “Por quanto tempo eles podem nos manter legalmente em Asteroid City?”, pergunta a mãe de uma das outras crianças, interpretada por Hope Davis. A partir daqui, o telespectador volta ao questionamento: como vivemos em um mundo que não oferece certeza alguma? Anderson traça uma linha da ansiedade e paranoia da Guerra Fria até o trauma coletivo no mundo pós-pandemia. O filme explora a realidade sociocultural e pessoal, abordando traumas não resolvidos.

Elenco de peso atrapalhou?

A inclusão de um elenco de peso – exaustivo demais para nomear em sua totalidade – e algumas breves aparições, apenas adiciona mais complexidade a uma tarefa já difícil de realizar. Depois de um certo ponto, há nomes e personagens demais para acompanhar. Este é um filme que exige múltiplas visualizações, como muitas das obras de Wes Anderson. Embora reconhecidamente inteligente, a estrutura complexa, às vezes, atrapalha a pretensão que Anderson está tentando alcançar e distrai o telespectador do cerne emocional da narrativa. Este longa tem um coração pulsante, abordando o luto, o perdão e a compreensão do mundo ao nosso redor. Essas são reflexões bonitas, mas difíceis de concluir. No entanto, eu sempre esquecia que era aqui que estava o coração do filme, devido às constantes idas e voltas entre a peça e os bastidores.

No final, talvez a Dra. Hickenlooper (Tilda Swinton), que dirige o observatório da cidade, responda melhor à questão do significado que a maioria dos personagens e dos telespectadores está procurando. Ela diz ao jovem Woodrow que não importa se tudo não tem sentido no final. Essa não é a questão. A ideia é ser curioso. Ter uma mente curiosa é um dom que nunca devemos abrir mão.

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