Se havia dúvidas de que a segunda temporada de Demolidor manteria a qualidade da primeira, após o lançamento dos novos episódios da série, todos os questionamentos foram eliminados. Mantendo o legado da graphic novel Demolidor: Homem sem Medo, escrita por Frank Miller, a atração resultado da parceria entre Marvel e Netflix apresenta tramas de proporções maiores, debate a atuação violenta dos vigilantes, percorre os conceitos de bem e mal e traz um destaque: o Justiceiro (Jon Bernthal, o Shane, de The Walking Dead).
Depois da derrota e condenação de Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio, de Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros), diversas gangues (os irlandeses, mexicanos e motoqueiros) disputam pelo comando das criminosas de Hell’s Kitchen, tornando o bairro nova-iorquino tão perigoso quanto antes. Por isso, Matt Murdock (Charlie Cox, de A Teoria de Tudo) desdobra-se como advogado na Nelson & Murdock e, à noite, como o Demolidor, vida dupla que vem prejudicando sua relação com Foggy (Elden Henson, de Efeito Borboleta) e Karen Page (Deborah Ann Woll, de True Blood).
Vendo o escritório de advocacia próximo da falência, o trio aceita defender uma capanga que presenciou o massacre dos bandidos para quem “trabalhava”, para lhe conseguir um incluí-lo no programa de proteção à testemunha. Porém, Matt, Foggy e Karen descobrem que a cidade tem registrado outros ataques com precisão e poder de fogo militares. Quando, enfim, a suspeita promotora de Justiça, Samantha Reyes (Michelle Hurd, de The Glades), oferece um acordo, suas intenções de encobrir uma grande conspiração ficam claras.
Entra em cena Frank Castle (Bernthal), o exército de um homem só, deixando um rastro de sangue e cápsulas de balas enquanto procura punir os culpados pela morte de sua família, cruzada que ameaça revelar falhas policiais e políticas. Descrito a partir das influências dos quadrinhos Justiceiro: Ano Um e as fases roteirizadas por Garth Ennis e Greg Rucka, o Punisher (como é chamado) não é alguém delirante nem louco – embora suas ações estejam longe do normal –, mas, sim, um ex-fuzileiro convicto do trabalho que está fazendo. E o Demolidor não concorda com seus métodos.
Paralelamente, a guerra mencionada anteriormente por Stick (Scott Glenn, de The Leftovers), sensei de Matt, começa a tomar forma em Hell’s Kitchen, o que traz à tona a presença de Elektra Natchios (Elodie Yung, de Deuses do Egito), antiga namorada do protagonista. À medida que todos pensavam que a Yakuza havia abandonado a Cozinha do Inferno, a máfia japonesa aumentou suas raízes na região e deu lugar à antiga e sobrenatural organização intitulada “A Mão”, cujo objetivo é obter uma misteriosa arma conhecida como “Céu Negro”.
De maneira similar à HQ Homem sem Medo, o seriado explora as ligações de Matt Murdock com Elektra, incluindo suas afinidades, diferenças, primeiras aventuras e rompimento. Entretanto, Demolidor tem dificuldade para retratar a ninja como imaginou Frank Miller na minissérie Elektra: Assassina, isto é, como uma moça mentalmente perturbada e dominada por instintos selvagens, o que não quer dizer que a personagem tenha uma má adaptação. Sendo assim, diferente da versão de Jennifer Garner, a Elektra de Elodie Yung consegue cativar, envolver, ressaltar algumas de suas características e inaugura um uniforme realista e funcional, que protege o corpo da atriz de exposição desnecessária.
Sem Matt, ocupado demais com os novos vigilantes e vilões, Foggy e Karen dedicam-se a desvendar o passado de Castle e lhe dar um julgamento justo. No expressivo desenvolvimento da dupla, Foggy ganha confiança e independência para encarar o tribunal e Karen, além de acompanhar o Justiceiro em suas investidas e iniciar um romance com Matthew, assume o papel de repórter investigativa do Boletim de Nova York, inspirada pelo falecido amigo e jornalista, Ben Urich (Vondie Curtis-Hall, de Duro de Matar 2). O que é uma jornada interessante para a ex-secretária da Nelson & Murdock.
Repleta de combates em plano sequência mais longos (luta contínuas, sem edição aparente), Demolidor mostra a evolução dos supersentidos do “Vermelho” (como Castle se refere a ele), coloca a mística dos ninjas em suas tramas – elemento que deve tornar a dar o tom no futuro. O programa trabalha na construção de conexões com Jessica Jones – citando a detetive particular e com uma participação de Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss, de Matrix) – e Luke Cage, fazendo uma menção aos experimentos da Roxxon, que podem ter dado poderes a ambos.
Dividida entre duas histórias principais, o surgimento do Justiceiro e o confronto entre A Mão e O Casto, grupo de Stick, a segunda temporada de Demolidor coloca o Demônio de Hell’s Kitchen diante de heróis que não evitam a matança e, com isso, se aprofunda em seus conflitos sobre noções de bem e mal e limites. Contudo, a introdução de Frank Castle, certamente, é o destaque absoluto da série, graças ao mergulho pela personalidade complexa do Justiceiro, referências a seus arcos importantes e a interpretação definitiva de Jon Bernthal.
Esboçando a volta do Rei do Crime ao poder, Demolidor continua sendo a melhor adaptação de HQs na TV e no cinema, e já prevê o retorno do Punisher em um seriado próprio.