Carro-chefe do serviço de streaming Amazon Prime Video – já disponível ao público do Brasil –, American Gods é a adaptação do premiado best-seller homônimo do autor Neil Gaiman (roteirista das HQs Sandman). Dos showrunners Bryan Fuller (Hannibal) e Michael Green (Heroes), a série teve a sua primeira temporada dividida em oito episódios e, num ritmo singular, usa de linguagem lúdica elaborada para traçar provocações e questionamentos aos costumes e valores atuais, abordando temas como miscigenação cultural, segregação racial, homossexualidade e, claro, religião.

Com o próprio Gaiman atuando com produtor executivo, a atração conta a história do ex-presidiário Shadow Moon (Ricky Whittle, de The 100), que perdera a esposa, Laura Moon (Emily Browning, de Sucker Punch: Mundo Surreal), pouco antes de sair da cadeia, vendo-se recrutado para a guerra travada entre os Deuses Antigos e os Deuses Novos. Sem nada que o prenda ao mundo, o protagonista faz um acordo com o misterioso Mr. Wednesday (Ian McShane, de Coraline e o Mundo Secreto) para ser seu guarda-costas numa viagem que desafia a imaginação.

Numa road trip que cruza o coração dos Estados Unidos, “Quarta-feira” (em tradução do inglês) leva Shadow para buscar alianças com entidades dos tempos passados, que andam perdendo devotos para as novas tecnologias, drogas, paranoias e outras novidades do mundo contemporâneo. Trazendo figuras tão velhas quanto poderosas, o seriado inspirado em Deuses Americanos aproveita para apresentar as crenças e necessidades de várias sociedades em diversas épocas e regiões, com pequenos contos que mostram como divindades estrangeiras chegaram à América.

Deste modo, além de Mr. Wednesday, que, na verdade, é o deus nórdico Odin, são vistos a bíblica Bilquis (Yetide Badaki, de Master of Sex), Czernobog (Peter Stormare, de The Blacklist) e as Irmãs Zorya, da mitologia eslava, o leprechaun Mad Sweeney (Pablo Schreiber, de Orange is the New Black), a lenda africana Mr. Nancy (Orlando Jones, de Sleepy Hollow), os deuses do Egito Mr. Ibis (Demore Barnes, de 12 Monkeys) e Mr. Jaquel (Chris Obi, de Raízes) e a divindade da Páscoa, Easter (Kristin Chenoweth, de Glee), do panteão dos “Old Gods”. Os “New Gods” são representados pelo Technical Boy (Bruce Langley), Media (Gillian Anderson, de Arquivo X) e Mr. World (Crispin Glover, de De Volta para o Futuro).

Provocativo, o programa toca em assuntos delicados e não foge de polêmicas. Sendo assim, a atração, muito ciente sobre as questões sociais e políticas, recorre ao choque e humor ácido para debater sobre escravidão e a situação atual dos negros, relações entre homens e mulheres e, em crítica ao governo de Donald Trump, traz um Jesus mexicano sendo morto na fronteira. A série alfineta qualquer discriminação – exibindo cenas de sexo homossexual e de pessoas de etnias distintas – e procura sempre ir além dos limites pregados pela “moral e os bons costumes” – e isso é ótimo!

Composta por capítulos de aproximadamente 1 hora (que costumam passar voando), a 1ª temporada de American Gods distingue-se das demais opções da TV por oferecer uma experiência visual belíssima e narrativa rica, graças à sua fotografia e efeitos especiais superiores e desenvolvimento cadenciado da história – se você não leu, ficará às escuras, mas intrigado(a). Sem pressa e com bastante ousadia, Deuses Americanos acerta ao fazer uma adaptação do livro vencedor dos prêmios Hugo e Nebula, e não um mero resumo.