O futuro distópico imaginado pelo escritor e jornalista George Orwell, em 1984, ganha novas formas na edição em quadrinhos publicada pela Companhia das Letras. E o que já era uma história desesperadora sobre política fica ainda mais assustador com o apoio das ilustrações recheadas de curvas e com pouco uso de cores do artista Fido Nesti.
A obra de Orwell toma como como inspiração os regimes totalitários para dar a forma a Oceania, região que já foi da Inglaterra em outros tempos, e está totalmente sob o controle do Partido e da figura que centraliza o poder na figura de um homem, o Grande Irmão.
Realidade fabricada
A história tem como personagem principal Winston Smith, um trabalhador do Ministério da Verdade, responsável por manipular as informações e notícias, cheio de reticências quanto as “verdades” que o Partido do governo vigente prega.
Uma forma que o Partido usa para isso é alterar as notícias e os dados de forma a criar uma falácia de que, com a presença do governo totalitário, tudo está muito melhor do que estava antes. Logo, por ser o responsável por manipular essas informações, Winston questiona o que é verdade ou não, algo extremamente perigoso em um regime desprovido de liberdade intelectual.
Toda a narrativa é rodeada por ambiguidades: o Grande Irmão é real, ou apenas um rosto para as pessoas direcionarem sua lealdade? Os inimigos do Partido são reais, ou apenas outra mentira inventada para criar um pouco de esperança nos corações rebeldes? Toda a arte presente na versão ilustrada da história, acentua ainda mais esses mistérios em que a história constrói, servindo como um bom exemplo dos segredos que rondam tais sociedades opressoras.
Atual até demais
Publicado no final da Segunda Guerra e começo da Guerra Fria, a história de 1984 reflete tudo aquilo que rondava o imaginário popular da época: desconfiança acerca dos grandes regimes políticos, uso da tecnologia para fins bélicos e a restrição das liberdades individuais e coletivas da população.
Em 1984, o autor exemplifica as ferramentas que um regime totalitário utiliza para controlar seu povo, utilizando ainda a filosofia de constante vigilância de Michel Foucault, que ajuda a tornar real na mente dos leitores a cinzenta Oceania imaginada pelo autor.
Mesmo que Orwell tenha falecido muitos anos antes do ápice do conflito entre a então União Soviética e os Estados Unidos, muito do que o autor escreveu em 1984 acabou se tornando realidade ao longo do final do século XX e começo do XXI, como a constante vigilância à qual as pessoas estão expostas, inclusive como entretenimento – vide reality shows como o Big Brother –, a supressão da liberdade de imprensa por órgãos governamentais, manipulação de dados e a adoção de atitudes populistas por parte dos políticos para ganhar a simpatia do povo.
1984 é, portanto, uma história escrita há mais de 70 anos e segue atual, o que é um fato assustador para quem preza por uma sociedade livre.