Uma semana depois do lançamento do 6° álbum de estúdio da norte-americana Katy Perry, 143 (em inglês, o equivalente a uma versão “numérica” de I Love You) tem causado burburinhos nas rodas de entusiastas da música pop internacional. A primeira impressão que fica ao pesquisar sobre o projeto e ler alguns comentários é que se trata do pior álbum da carreira e que a cantora chegou ao fundo do poço. Porém, já não ouvimos isso antes?
Críticas e mais críticas
As críticas negativas a acompanham desde o início da carreira, mas começaram a se intensificar a partir do lançamento de Witness (2017), onde o primeiro single “pop consciente” Chained to the Rhythm fazia uma crítica ao estilo de vida norte-americano e à política de Donald Trump, presidente dos EUA na época. O estranhamento da era Witness passou pelos sintetizadores e vocais robotizados (algo que não era visto com frequência nos trabalhos da cantora), pelas letras ásperas que falavam de karmas e amores que não deram certo, e até pela sua aparência já que o corte de cabelo curto e o tom de loiro platinado adotado pela californiana não foi “aprovado” pelo público na época.
O trabalho seguinte, Smile (2020), chegou em meio a pandemia de covid-19 e isso por si só também colaborou para os rumos que o álbum tomou. Perry trouxe sonoridade parecida com seus trabalhos mais reconhecidos, cantando sobre recuperar seu sorriso de volta e os amores de gerar uma criança. Os destaques ficaram por conta do primeiro single Never Really Over, que na época foi minimamente aclamado pela crítica, e por Harleys in Hawaii que acabou estourando no TikTok. O desinteresse pelo disco fez com que o público geral perdesse a oportunidade de aproveitar músicas como Tucked e Cry About it Later que traduzem na raiz o “PopPerry”.
Para a música, a época da covid-19 proporcionou muito conteúdo e muito tempo livre, talvez seja aí que algo tenha se perdido. A culpa do “flop” veio da falta de uma turnê dedicada a Smile, por motivos óbvios já que a pandemia que parou o setor de shows e entretenimento durante quase 2 anos, e pelo fato de Katy Perry ter dado luz à Daisy Dove dois dias antes do lançamento do álbum.
Alguns fãs especulam um “complô” da indústria e outros falam até em falta de interesse da gravadora em investir em divulgação e incentivos para as músicas aparecerem nas paradas de sucesso. Será mesmo?
Álbum diferente
143 é um álbum diferente em vários aspectos dos outros trabalhos que Katy Perry lançou. A cantora já tinha manifestado a vontade de lançar um projeto inteiramente no estilo dance music e deu pistas de como seria quando fez os vocais da faixa When I’m Gone em parceria com o DJ Alesso em 2021. Em alguns momentos, o disco lembra até o Britpop com batidas marcadas de Radical Optimist de Dua Lipa lançado em maio deste ano. A promessa de One Four Three, como é pronunciado, é fazer dançar e ponto. Se você quer letras existenciais, baladas românticas e melodias profundas este não é o disco que você está procurando, volte 2 álbuns. A cantora prometeu um álbum dance e entregou o combinado.
Em menos de 24 horas depois do lançamento, 143 já tinha sido classificado no Metacritic, site especializado em críticas musicais, com a nota 35/100 e uma enxurrada de avaliações catastróficas levando a acreditar que esse é o pior trabalho lançado nos últimos tempos. Mas será que 143 é tão ruim assim ou só teve um começo conturbado?
Escolhas complicadas
Nem sempre cercada das melhores escolhas, a opção de lançar Woman’s World como primeiro single não foi acertada por dois motivos: 1- ter o produtor e compositor Dr. Luke, que já foi acusado de assédio pela cantora Kesha, como parceiro de trabalho; e 2- pelo GRANDE potencial de outras faixas do álbum. Vale reforçar que Katy não é a única artista que trabalhou com Dr. Luke nos últimos tempos, as cantoras Nicky Minaj, SZA e Doja Cat também colaboraram com o produtor. Todos temos dias ruins e decisões não tão boas assim, e às vezes precisamos arcar com elas. Mas, o que parece aqui é que Perry é o alvo mais fácil e a razão de todos os males da indústria musical. O desprezo esmagador direcionado ao seu último lançamento parece dizer mais sobre o momento em que vivemos do que sobre a música em si.
O azar de 143 diz muito sobre a forma como o pop é consumido e discutido em uma época em que a música é apenas uma parte do todo. O fato do álbum ter no total 33 minutos e 39 segundos também pode contribuir para isso, e de uma certa forma me incomoda um pouco. Aparentemente, é o reflexo de como as redes sociais, em especial o Tik Tok, vem deixando sua marca na indústria da música, algo que nem sempre é positivo.
Impressões sobre 143
Ouvi o álbum em algumas oportunidades diferentes, entre elas na hora do lançamento a caminho do show do Rock in Rio e uma semana depois. E te afirmo que a percepção foi diferente. Indo na contramão do último lançamento que não tinha nenhum feat., 143 tem várias participações e o single mais recente I’m His, He’s Mine com a rapper Doechii é o maior acerto delas, seguida por Gorgeous com Kim Petras.
Lifetimes veio logo após o lançamento de Woman’s World e infelizmente foi afogada pela onda de hate que a primeira música recebeu. Outras faixas que merecem atenção é Crush que tem grande potencial para se tornar single (e dos bons), além de Nirvana que lembra um pouco a injustiçada Legendary Lovers de Prism (2013). Ouça com atenção Wonder e Truth.
Em 143, Katy Perry decide que nada pode influenciar o que ela mesma afirma que nasceu para fazer. Mesmo com todos os revezes, seu lugar na calçada da fama do pop continua guardado. As 100 mil pessoas cantando seus hits a plenos pulmões no show da edição de 40 anos do Rock in Rio comprovam isso.