Por que escrevemos? Talvez porque certas verdades só se tornam reais quando ganham nossas próprias palavras. Anne Frank seria só mais uma vítima do holocausto se não a conhecessemos através de seu diário. A adolescente que registrou, com delicadeza e dor, o que é perder a liberdade e ainda assim acreditar no amanhã.
Agora, essa voz ganha uma nova forma em À Procura de Anne Frank, animação dirigida pelo israelense Ari Folman, já está disponível no Filmelier+. A animação, marcada pelo realismo mágico, reinterpreta o diário mais famoso do mundo através de uma perspectiva inusitada: a de Kitty, a amiga imaginária para quem Anne escreveu.
Kitty percorre as ruas da Alemanha atual em busca de Anne, sua jornada conecta passado e presente, revelando um espelho perturbador: a intolerância e a exclusão continuam a rondar a humanidade. “Na história do mundo sempre houve alguém para culpar”, escreveu Anne. Hoje, pelo olhar de Kitty, os perseguidos são refugiados, imigrantes, povos que não tem para onde ir, ficar ou voltar. A animação questiona: estamos revivendo o mesmo ciclo de rejeição e indiferença?
Uma combinação de lirismo e crítica social, Folman, conhecido por “Valsa com Bashir”, optou por uma estética 2D com texturas de aquarela, criando um universo de cores simbólicas e contrastes emocionais. As imagens são suaves, mas nem sempre sustentam a densidade narrativa, com a direção de arte privilegiando a contemplação, ainda que o impacto dramático por vezes se dilua na idealização estética.
Mais do que revisitar o passado, À Procura de Anne Frank questiona o presente. O legado de Anne se espalha por cada diálogo, rua e prédio, mas o filme indaga em suas entrelinhas: Será que haverá uma próxima Anne?
Haverá alguém que registrará a dor da guerra na Ucrânia, o medo nas fronteiras da Faixa de Gaza, a solidão da pandemia? A escrita e o ato de testemunhar ainda são uma forma de resistência. Porque, como Anne, talvez só nos tornemos reais quando encontramos coragem para dizer o que vemos.

